Equipa gay de râguebi vai revelar-se no Queer
Um documentário sobre os Dark Horses passa esta quinta-feira no festival Queer Lisboa. Bruno Horta já o viu. E conseguiu falar com os realizadores.
Como há 20 anos explicou a professora americana Judith Butler em Gender Trouble, livro fundador da Teoria Queer, a identidade masculina ou feminina é acima de tudo uma realidade performativa. Fazer coisas que achamos serem próprias dos homens ou das mulheres é que nos transforma aos olhos dos outros (e os outros aos nossos olhos) em homens ou mulheres dignos desse nome.
Vem isto a propósito do documentário Boys Just Wanna Have Fun, que será exibido esta quinta-feira, dia 23, às 18.00, no cinema São Jorge, no âmbito do Queer Lisboa, festival de cinema gay e lésbico. Trata-se de um retrato rápido, em tom de reportagem televisiva, sobre os Dark Horses, a primeira equipa gay de râguebi em Portugal, cuja formação foi noticiada pela primeira vez pela Time Out Lisboa, em Julho do ano passado.
Ao longo de 50 minutos, os jogadores transmitem a ideia de que a homossexualidade e a masculinidade tradicional são realidades compatíveis. Eles bebem cerveja e exibem músculos, põem fato e gravata e dizem-se agressivos. São camaradas distantes e afáveis. Mostram aquilo a que se chamaria pose tradicional do homem (heterossexual). Podem até nunca ter lido Judith Butler, mas encaixam bem na teoria da autora – o que não é bom nem mau, é apenas aquilo que é.
Os realizadores de Boys Just Wanna Have Fun, Luís Hipólito, de 39 anos, jornalista e membro da produtora de audiovisuais Mínima Ideia, e Margarida Moura Guedes, de 40 anos, realizadora e membro da produtora Horse on Wheels, conseguiram que dez dos 30 membros da equipa falassem e dessem a cara – o que é tanto mais notável quanto até agora a equipa resguardava ao máximo a identidade dos seus membros.
Segundo Hipólito, foram apresentadas três hipóteses aos jogadores: ou apareciam e eram entrevistados, ou apareciam mas não eram entrevistados, ou nenhuma das duas. “O Luís sempre conseguiu que as pessoas mais improváveis aceitassem falar”, nota Moura Guedes, em conversa com a Time Out. Conhecem-se desde que trabalharam juntos no programa Loja do Cidadão, da RTP, há cerca de dez anos. Ele não descarta esse talento, mas aponta outro motivo para ter conseguido quebrar as reticências dos Dark Horses: “Creio que houve da parte deles um menor receio da imagem do que da escrita. As pessoas consideram que aquilo que dizem à imprensa escrita pode ser manipulado, enquanto o que fica gravado em imagem está mais controlado e mais próximo da verdade.” Ainda assim, admite: “Não foi fácil.”
O documentário foi gravado durante dois meses, durante este Verão. Além de mostrar os treinos dos Dark Horses, desvenda também um pouco da vida privada dos jogadores Jorge Santos, Pedro Ramos, Renato Castro, Filipe Baptista, Carlos Reis, Paulo Baião, Hugo Suspiro, Ricardo Morgado e Pedro Carita. Mais o treinador, cujo nome pode finalmente escrever-se por completo nesta revista, uma vez que fica público por via do documentário: Filipe Almeida Santos.
“Esta equipa é um espaço de liberdade.” “Somos todos pessoas.” “Isto não é diferente de um grupo de rapazes que jogam à bola.” “Queremos passar uma mensagem de normalidade.” São estas algumas das ideias defendidas pelos jogadores. Pelo meio, o locutor de rádio Aurélio Gomes lê passagens homoeróticas de textos de Thomas Mann, Oscar Wilde e Marcel Proust, entre outros.
Quanto à impressão que lhes ficou, os realizadores são unânimes: “É um grupo heterogéneo, mas têm o objectivo comum de criar um clã, ou uma tribo urbana, com uma postura discreta que foge aos estereótipos de exuberância ligados a certos grupos da comunidade gay. A forma de afirmação que escolheram foi o desporto e a masculinidade clássica.”
Por ter sido totalmente financiado pela RTP2, patrocinador oficial do Queer deste ano, o documentário tem direito a uma sessão própria e está fora da competição oficial. Será exibido mais tarde na RTP2, mas ainda não se sabe a data.
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