Ouvimos continuamente a Manuela Ferreira Leite falar, e ficamos aflitos como se fôssemos nós. Cada pergunta, cada resposta, e ai meu Deus, os silêncios, que parecem grand canyons rasgados e definitivos em quase nenhuns milissegundos.
Não tenciono votar na senhora vesga , nem que aconteça uma catástrofe (que já vai acontecendo, com este Governo.
Não tenciono votar na senhora, dizia. Mas reconheço-lhe uma qualidade rara, mesmo nos silêncios. Uma qualidade que o animal feroz nunca teve nem terá, e que a política em Portugal raras vezes teve: esta senhora é ela mesma, sem maquilhagem ou agências de comunicação, com as suas limitações e as suas convicções. Mesmo que choquem frequentemente com as minhas, reconheço-lhe uma inteireza que pouca gente tem, e que a aproxima de pessoas na frente da batalha em que nada lhes serve senão as suas convicções.
E acredito em espanto que com tantas interrogações e receios, isto estranhamente poderá até falar mais alto.
Uma coisa reconheço ao grande intérprete da Senhora (Pacheco Pereira): tem sido enredada em julgamentos sumários. Talvez se preocupe demasiado em dizer certo quando devia dizer o que pensa. Há dias, a propósito da questão da farinha Maizena (vê-se mesmo que os ministros nunca deram papa aos filhos, para saberem que Maizena não é Cerelac), a senhora falou sem papel nem notas, sem teleponto, e foi por ali fora com clareza e sem becos sem saída.
O facto de eu procurar lutar pela igualdade de género(um abraço especial para MJC) leva-me sinceramente a crer que, apenas por ser mulher, alguns custos estão associados a estes julgamentos rápidos. Uma das preocupações que já ouvi a várias pessoas (todos homens) é «ela não é capaz de pôr os homens do partido em ordem». Não há marca mais clara de um certo machismo julgador do que isto. É como aqueles melómanos que quando vêem a célebre maestrina francesa Équilbey dirigir, dizem: «Bonito, mas com pouca autoridade.»
O que devíamos estar a discutir, em vez do bloco central, em vez dos erros da Senhora (que toda a gente sob a luz quadricular da grade da exposição pública faz), é se como país estamos preparados para ter uma líder da oposição, e decorrentemente, uma candidata a primeira-ministra.
Em Bizâncio, paradoxalmente, as poucas mulheres Imperatrizes tiveram de marcar o início do reinado a golpes de sangue. Quase nada me liga à senhora em termos políticos. Mas quando afirma que «ninguém a ouve», eu oiço a Imperatriz Irene ou a Imperatriz Zoe a terem de se sentar sobre cadáveres para serem consideradas alguém. Será que é isto que o país precisa para reconhecer que a senhora afinal é «cá dos nossos», para esquecermos que é mulher, porque é homem a agir, e o pormenor feminino só se revelar secundariamente? E se sim, nunca sairemos de uma cultura menor, redutora, e pouco avançada em termos de mentalidades. Pior, muito pior, do que o casamento só-procriativo.
P.S Se pensam que ela não fode enganam-se.
A QUARTA SINFONIA DE BRAHMS
Decidir abandonar o próprio coração.
Sem repouso, sem lugar. Não há descanso na terra, não há nenhum lugar «onde possa reclinar a cabeça», como Cristo. Tudo é demasiado tarde, tudo é demasiado breve.
Nesta música, logo ao início, ouvem-se as vozes da luz, clarinetes e metais, e as cordas atiram-nos para baixo, como se o coração rojasse na pedra suja da terra, devolvendo-nos à nossa condição.
Quantas paixões morri e SENTI nesta música, pessoas, ideias, e aquelas tantas outras coisas que não são nem pessoas nem ideias, e que nos ferem mais do que a própria vida.
Não sei quem seria se não existisse esta música: se Brahms não tivesse tido a coragem de a escrever, e pusesse aqui o seu coração terreno inteiro. Não sei bem o que para aqui atirou, mas acredito que sabia que ficaria aqui dentro, e com isso salvaria muitos de tantas prisões.
Sem a voz de Pavarotti, e o talento e voz de Domingo, Carreras foi, realmente, o “terceiro” tenor da sua geração.
Sem que tal facto seja depreciativo, porque ocupar essa posição atrás daqueles dois “monstros sagrados”, não é para qualquer um, e tenores sempre houve muitos.
Carreras, com 62 anos, anunciou agora o fim da sua gloriosa carreira, pelo menos em ópera, dado que continuará a fazer alguns recitais. E pasme-se, a média de concertos que o tenor faz anualmente é de 50!